terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

ENTREVISTA: CAMA DE JORNAL


CAMA DE JORNAL, PUNK ROCK DE CONQUISTA

O nome da banda foi encontrado num dicionário de expressões idiomáticas por um dos integrantes, e significa estar em condição de miséria e abandono, situação vivida pelos componentes no seu cotidiano, e que se adequou perfeitamente a banda. A irreverência do vocalista “Nem” e o descompromisso com os padrões comerciais fizeram com que a Cama de Jornal se tornasse conhecida em toda região. A formação atual é Helder na bateria, Rose no baixo, Lázaro na guitarra, e Nem no vocal.

 

E:Nem, agora em janeiro fez um ano da passagem da Cama de Jornal e a Horda Punk (Santa Catarina), por Ribeira do Pombal. Como é para Cama de Jornal estar em turnê?

Nem: Ah, é sempre bacana. Poder estar viajando com os amigos, fazendo nosso som, conhecendo novos lugares, culturas diferentes e fazendo novos amigos por onde passamos.

 

E: A cama iniciou um circuito de turnê, sendo duas na região Centro-Oeste (2011 e 2014) e uma no Nordeste do país (2013). O que foi possível observar entre as regiões em relação a evento, público e bandas?

Nem: O que percebo nesses roles, é que sempre existe alguém se movimentando, seja com banda ou produzindo eventos. A cena underground não para.

Em 2011 a gente tava fazendo 10 anos de banda, e resolvemos viajar, e conseguimos fechar 10 shows, incluindo Goiânia e Brasília, fazendo pela primeira vez show fora da Bahia.
Cama de Jornal em Ribeira do Pombal/BA

Já no ano passado, a gente tinha acabado de lançar nosso DVD/CD de comemoração dos 10 anos, e a gente precisava circular pra divulgar esse material. Aí tinha vários contatos na internet, fui conversando com um, com outro, pra ver a possibilidade de fazermos uma turnê maior, e convidei a banda Horda Punk, de Santa Catarina, que acreditou no projeto, e metemos o pé na estrada, percorrendo algumas cidades do Nordeste. No total, foram 7 shows em 9 dias, direto, sem parar. Foi nessa turnê que passamos por Ribeira do Pombal.


E o que observo é que as cenas são muito parecidas (Nordeste/Centro-Oeste). As coisas são feitas de forma independente, só com apoio da galera que curte o som, na base do faça você mesmo! O público onde quer que a gente toque, é sempre muito receptivo e caloroso com a Cama de Jornal. E por onde passamos, vemos que existem ótimas bandas que poderiam estar circulando pelo Brasil tranquilamente, mas como moramos em um país muito grande, fica difícil a circulação dessas bandas, por conta do alto custo com transporte. Mas aos poucos e com a parceria de alguns amigos e bandas, estamos conseguindo mudar um pouco essa situação.

 

E: A turnê pelo Nordeste foi à maior já realizada pela banda. Esse ano vocês voltaram ao Centro-Oeste, por que não ocorreu outra turnê pelo Nordeste?


Nem: Na Turnê Nordeste de 2013 rodamos mais de 2.700 Km numa van, e foi inesquecível! Esse ano fomos de ônibus comercial pro role em Goiás e DF, e foi foda, 22 horas direto dentro de um busão é complicado...Mas não rolou outra pelo nordeste por conta de achar que não era legal ir de novo para os mesmos lugares, talvez pudesse ficar meio repetitivo, e acho que também não teríamos a mesma chance de que tudo desse certo como da anterior. Numa turnê sempre se corre o risco de shows cancelados, ou de rolar shows ruins e tal...em 2013 tivemos a sorte de tudo ter dado certo e achei melhor não arriscar de novo em 2014...mas tenho planos de voltar a fazer uma outra turnê pelo Nordeste, e quem sabe dessa vez, até maior que a primeira, já que a gente poderia ter ido até Rio Grande do Norte ou até mesmo no Ceará, mas na primeira nos faltou coragem de pegar uma viagem dessa...eheheheh...mas vamo tomando coragem aqui, uma hora voltamos!

Mas uma turnê que é prioridade pra mim agora, é por São Paulo, capital e interior. Já surgiram vários convites, mas ainda não conseguimos nos acertar aqui, mas acredito que uma hora vai sair também esse rolé.
 

 

E: A banda vem sempre registrando as suas atividades e assim acumulando um volumoso acervo fotográfico, audiovisual e outros. Esta é uma iniciativa planejada e terá a produção de algum trabalho com esse material?

Nem: Pô, véio, temos um acervo imenso, desde o início da Cama de jornal, sempre me preocupei em registrar tudo em fotos e videos, e a idéia era de lançar um documentário com a história da gente e um pouco sobre a cena local aqui, mas ainda não rolou de ter tempo pra editar, até comecei, já tenho todo o material colhido e capturado no meu PC, comecei editar e parei quando chegou em 20 minutos já pronto. Mas ao contrário do que parece, dirigir um documentário sobre sua própria banda é bem mais complexo. Pra vc ter uma idéia, esses 20 minutos que já estão prontos, fala só sobre o início da banda e a gravação do primeiro disco, levando-se em consideração que já gravamos 4 discos de estúdio, então, provavelmente o doc vai ficar em torno de uma hora, isso quer dizer que ainda to muito longe de terminar. Mas um dia sai.

 
As bandas Cama de Jornal, Horda Punk e Malaco Véio em Ribeira do Pombal/BA

E: Nem, você tem diversos trabalhos na cena de Vitória da Conquista, como a Casa do Rock e o selo Tosco Todo, os quais contribuem para a divulgação e a produção da cena da cidade. Gostaria que você falasse, resumidamente, sobre cada um como e quando surgiu, porque e objetivos. E como a galera pode entrar em contato e intercambiar?


Nem: Rapaz, eu sou um cara meio agoniado, não agüento ver o marasmo na cena, e quando percebo que tá rolando isso, meto a cara e faço acontecer.

O Tosco Todo-Selo de Divulgação (http://www.toscotodo.blogspot.com.br/) surgiu por conta desse marasmo. Eu tinha a banda, mas nenhum selo queria lançar. Fui e criei o meu, e lanço todos da Cama de Jornal, na tora mesmo. Hoje já tenho parceria pelo Brasil inteiro e tenho dado minha contribuição com alguns lançamentos, o mais recente, foi o da banda Alagoana de punk rock Misantropia, a mais antiga em atividade de Maceió. A banda não tinha condição de lançar e distribuir independente, então, juntamos vários selos do Brasil, e lançamos. Acho que é por aí, façamos nós mesmos.


Já o lance da Casa do Rock, surgiu com a idéia de ser um espaço exclusivo do estilo aqui na cidade, que era carente de espaços como esse. Tínhamos um vídeo bar, e um espaço para pequenos eventos, para até 400 pessoas. Só que tivemos um problema com a localização do espaço, que era numa área residencial (e nobre) da cidade, o que levou ao nosso fechamento por conta de reclamações por parte da vizinhança. Então a prefeitura foi lá, e nos proibiu de realizar os eventos, que eram feitos na garagem da casa. E sem poder realizar os eventos, não tivemos como manter o espaço, e infelizmente tivemos que fechar, depois de quase 6 meses de funcionamento. Uma pena, e uma perda muito grande pra cena local, já que tava acontecendo uma movimentação bacana, todo mundo queria tocar lá e a gente tava dando bastante espaço para as bandas novas, de garagem ainda desconhecidas do público. Mas é assim mesmo, uma hora a gente mete a cara em outro projeto parecido com esse e vai seguindo em frente!

 

E: Pelo que venho acompanhando, Vitória da Conquista tem alçado bons espaços para shows e vem se renovando em relação as suas bandas do cenário, no geral. Realmente há uma movimentação intensa? Quais fatores você destacaria como importantes para tal contexto?

Nem: Então, com o fechamento da Casa do Rock, e de outros espaços aqui, tá complicado agora fazer show. Temos um Centro de Cultura do Estado que está interditado, um teatro municipal que era historicamente utilizado pra eventos de rock e que também não é mais liberado pra cena. Na verdade, o que nos resta é um espaço recente que abriu aqui, um bar, mas que não é essencialmente rock. Temos também um outro bar, que tinha fechado recentemente e reabriu em um local menor. Ou então, na pior das hipóteses, é tocar na rua, nas praças...é o que nos restou!


Em relação as bandas, aqui temos muitas de qualidade, que poderiam tocar em qualquer lugar do Brasil. Bandas como a Ladrões de Vinil, Dona Iracema, e tantas outras. O único defeito que vejo na cena aqui, é que as bandas não são muito de produzir seus próprios eventos, e ficam esperando os produtores fazerem tudo, e só querem chegar e tocar. A maioria não tem noção nenhuma do que é promover um evento, por menor que ele seja. Mas apesar disso tudo, ainda acho a cena de Conquista bacana!

 

E: ‘Cama de Jornal, punk rock de Conquista’, como você descreveria o punk rock de Vitória da Conquista?


Nem: Na verdade, nem considero que aqui tenha uma cena punk rock. Aqui é uma cidade que desde o final dos anos 80 sempre teve banda de punk rock, galera se movimentando, mas geralmente com bandas. Depois dessas bandas do final dos 80 e início dos 90 (Exame de Fezes, Atestado de Pobreza, Depressivos), a cena estagnou, ressurgindo com a banda Renegados no início do ano 2000, que já era uma galera nova, e que muitos nem sabiam que rolava as bandas das antigas aqui na cidade. Depois da Renegados, surgiu uma nova cena Rock na cidade, com banda aparecendo de todo canto, muitos eventos e tal, e foi nessa época que montamos a Cama de Jornal. De lá pra cá, muitas bandas surgiram, mas poucas se mantêm até hoje. É difícil manter uma banda no underground, e principalmente mantendo a mesma postura inicial.

 

E: O ‘faça você mesmo’ continua sendo o princípio balizador, mais atual do que nunca, para uma banda do underground?


Nem: Sempre pensei assim. Se você quer tocar com sua banda, mas ninguém lhe chama, faça você seu show. Sempre fiz isso. Organizei vários shows e pequenos festivais Como o “Autonomia é o Caminho”,, que gerou um DVD da Cama de Jornal e um CD coletânea com bandas locais. Já realizei 6 edições desse festival punk HC, a última foi em Janeiro desse ano, lá na Casa do Rock, com 11 bandas, daqui de Conquista, de Salvador, Poções e Guanambi. Se ninguém chama sua banda pra tocar, faça você mesmo seu show!!!


 


E: A internet e os recursos da informática viraram um divisor de água em alguns cenários da produção musical. Você percebe estes como instrumento a mais para o desenvolvimento da produção autônoma das bandas do underground? Como é a relação da Cama de Jornal com a internet e demais recursos?

Nem: A internet é um recurso que devemos utilizar sempre pra divulgar, mas não é a única forma. Acho que os materiais físicos (CDs, DVD, Botons, Camisetas, canecas) ainda ajudam bastante a divulgação de uma banda. Mas o principal meio de divulgação de uma banda, ainda é show, é tocar ao vivo.


Mas por outro lado, sem a internet, sem os contatos, vc não consegue distribuir isso de maneira mais abrangente. Até mesmo os shows, sempre fechamos a maioria via internet. A turnê Nordeste de 2013 foi toda fechada pelo facebook. Então, existe uma ferramenta que você pode utilizar de maneira satisfatória? Use-a!

A Cama de Jornal sempre utilizou a internet pra divulgar, desde o início. Sempre tivemos nosso site oficial, um lugar onde o cara que quer conhecer nosso som encontra todos os links em um só lugar. MP3, vídeos, letras, discografia, história, shows, tá tudo lá, e sempre usamos isso. Inclusive, em nosso site, tem link pra se baixar toda a nossa discografia de estúdio, os 4 discos. Só acessar: http://www.camadejornal.com.br/index.htm

 

E: Como você viu os movimentos e as grandes manifestações de junho de 2013 no Brasil? E a estratégia Black Blocs?


Nem: Sou a favor de qualquer tipo de manifestação, com ou sem violência. Somos violentados todos os dias, com altas taxas de impostos, transporte público ruim, insegurança pública, corrupção rolando solta...aí quando a galera se rebela e solta o grito contra tudo isso, a mídia joga a favor dos poderosos e tenta de alguma forma gerar a desinformação e desqualificar a manifestação. E como não é todo mundo que tem o costume e cuidado de ler, de pesquisar, de buscar fontes, de ouvir o outro lado, aí cai todo mundo na armadilha da mídia.

O caso dos Black blocs mesmo, a mídia tenta colocar como um movimento. Sendo que na verdade, Black bloc é uma ação direta, individual, sem atrelamento a partidos nem líderes. Então o que a mídia faz? Descaracteriza a ação direta, e “transforma” em “movimento” manipulado por partidos. Hoje vi um programa em que a apresentadora dizia que quando manifestante é morto por bomba ou confronto com PM, é um acidente. Mas aí o entrevistado questionou: “Você fala que é acidente quando a culpa é da polícia, mas quando é de um manifestante você não diz o mesmo”. Então esse é o papel feito pela mídia, defender os poderosos, e massacrar a população.

Mas a grande massa sabe disso? Sobre essa manipulação de informações? Sobre o que é ação direta? Sobre a origem e forma de agir Black Bloc? Não!

E o Brasil tá desse jeito!


 
Texto: Décio Filho
Fotos: Acervo Cama de Jornal
Entrevista: Danilo Cruz e Décio Filho
Janeiro/Fevereiro de 2014